Acidificação dos Oceanos e ‘Carbonate Buffer’ – Mecanismo de Tamponamento

CONSIDERAÇÕES:

A crescente acidificação dos oceanos interfere diretamente no papel que estes desempenham no ciclo do carbono, exacerbando os efeitos da mudança climática. A química dos oceanos é extremamente complexa e para entender o processo de acidificação vamos focar no sistema carbonato marinho, composto pelo carbono inorgânico dissolvido nas águas dos oceanos, conhecido como DIC – em inglês, Dissolved Inorganic Carbon- e no sistema que naturalmente previne a acidificação, atuando como um buffer – efeito amortecedor, de proteção, em português ‘Efeito Tampão do Sistema Carbonato’ .

O nível de acidez depende dos íons de hidrogênio presentes na água, indicado pelo pH, que mede a concentração destes íons em um líquido. Uma solução neutra, como a água pura [H2O], tem um pH de 7, com igual concentração de hidróxidos [OH-] e íons de hidrogênio [H+].  Soluções ácidas têm excesso de íons de hidrogênio [H+] e um pH menor que 7: a acidez aumenta com o aumento da concentração de [H+]. Soluções básicas ou alcalinas por sua vez, apresentam excesso de [OH-] e pH maior que 7.

Os íons de hidrogênio são liberados nas camadas superiores da água do mar na medida em que o dióxido de carbono é absorvido do ar pelos oceanos, a uma taxa diretamente proporcional à sua concentração na atmosfera. No Ciclo do Carbono esta absorção recebe o nome de Bomba de Solubilidade – em inglês, Solubility Pump. Uma vez na água, o CO2 pode permanecer em seu estado gasoso ou reagir com a mesma, formando ácido carbônico que, sendo instável, logo a seguir se divide:

[CO2] + [H2O] ==> [H2CO3] (Ácido Carbônico)

[H2CO3] ==> [H+] + [HCO3 ] (Íon Bicarbonato)

Na medida em que o ácido carbônico se separa e libera na água íon bicarbonato e [H+], ele contribui para o aumento da acidez. DIC – carbono inorgânico dissolvido – nos oceanos é composto por três compostos químicos diferentes, nas seguintes proporções aproximadas:

Íon Bicarbonato [HCO3 ] 90%

Íon Carbonato [CO3 -2 ]   9%

CO2 em estado gasoso, ou CO2(aq) 1% do total

A presença de íons carbonato livres nas águas do mar fornece um mecanismo de captura do excesso dos íons de hidrogênio regulando sua concentração. A reação entre os íons carbonato e os de hidrogênio, formando íons bicarbonato (ou hidrogeno carbonato), funciona como uma proteção para o sistema marinho contra potenciais danos decorrentes do excesso dos íons de hidrogênio na água. Porem, por causa desta reação – efeito tampão/carbonate buffer – o aumento de CO2 na atmosfera também acarreta a diminuição da concentração de íons carbonato nos oceanos.

[H+] + [CO3 -2 ] ==> [HCO3 ] (Íon Bicarbonato)

Isto é importante porque os íons carbonato [CO3 -2] também desempenham um papel crucial no ciclo do cálcio nos oceanos e sua concentração é determinante para o horizonte de saturação do carbonato de cálcio [CaCO3] que ocorre no solo oceânico na forma mineral, em rochas sedimentares – calcita e aragonita, sendo também o componente principal de placas e conchas em organismos que convertem e usam o cálcio para sua própria estrutura e proteção, dentre eles o fitoplâncton que forma exoesqueletos.

[CaCO3] <==>   [Ca2+] + [CO3 -2 ]

A diminuição na concentração de íons carbonato desacelera o ritmo em que animais, algas e fitoplâncton formam carbonato de cálcio orgânico, independendo do polímero que usam, se na forma de calcita ou aragonita.

O efeito tampão – carbonate buffer – no sistema do carbono inorgânico dissolvido é um processo natural que vem atuando para estabilizar o pH médio da água do mar em torno a 8 (mais precisamente 8,2), e conseguiu manter a alcalinidade do oceano equilibrada por tempos geológicos apesar de picos de aumento na quantidade de CO2 na atmosfera devido a causas naturais como grandes incêndios e erupções vulcânicas. Desde que as emissões antropogênicas aumentaram dramaticamente a partir da revolução industrial este equilíbrio está ameaçado.

Ao longo dos últimos 200 anos, cerca de metade do total das emissões antropogênicas foi absorvido pela fotossíntese no meio oceânico: pelas colônias de fito plâncton e em ecossistemas costeiros como manguezais, marismas e pradarias de algas submersas. Apesar disso, houve um incremento na proporção de CO2 na atmosfera do planeta, causando um aumento do carbono inorgânico dissolvido na água do mar e consequente elevação de 30% na concentração de íons de hidrogênio. Isto resultou em uma redução de 0,1 unidade no pH das camadas superiores da água do mar, com efeitos de acidificação.

É previsto que até o fim deste século a diminuição no pH corte pela metade a concentração do íon carbonato, tendo como base os níveis pré-industriais, interferindo na saturação do carbonato de cálcio e consequentemente afetando negativamente o processo de calcificação. Isto causa danos não só na cadeia alimentar no ambiente marinho, mas também na bomba biológica no ciclo do carbono. Mudanças na química dos oceanos também afetam alguns organismos calcificadores que habitam as águas rasas e desempenham papel vital ao liberar nutrientes de sedimentos. Além disso, a acidificação dos oceanos ameaça as estruturas das barreiras coralinas porque reduz não só a integridade dos corais mas também das algas que os cobrem, cuja morte recebe o nome de ‘branqueamento dos corais’ e sem as quais o sistema coralino não sobrevive.

Para completar, a eficiência do efeito tampão diminui seja com o aumento da concentração de CO2 na água do mar que com o aumento da sua temperatura. Até o presente, pode parecer que as condições não tenham mudado tanto, mas como o aquecimento global e a acidificação dos oceanos já estão em andamento, é possível que os oceanos do planeta não consigam prestar o mesmo serviço de absorção de CO2 como têm feito ao longo dos tempos, o que pode acarretar um aumento do aquecimento global de forma imprevisível e inusitada.

A acidificação dos oceanos é considerada irreversível no nosso tempo de vida. Mesmo no melhor dos cenários, se as emissões antropogênicas fossem estabilizadas ou reduzidas em breve, e se os ecossistemas degradados fossem restaurados, seria preciso dezenas de milhares de anos para que a química do sistema marinho voltasse às condições equivalentes àquelas de antes da revolução industrial.