A vida na Terra é à base carbono. Graças à presença de substâncias como água, nitrogênio e dióxido de carbono, todas essenciais para a vida, ecossistemas primordiais formados por micróbios puderam se desenvolver 3 bilhões e 800 milhões de anos atrás, trazendo o componente biológico para um sistema que até então era físico e químico apenas. O porque e como, a partir de afinidades químicas, a vida se desenvolveu continua sendo um desafio para nossa compreensão, tocando a fronteira entre a ciência e a fé. O que podemos afirmar é que os primeiros microrganismos inicialmente capturaram carbono através de um processo de fotossíntese anoxigênico, em um momento em que nosso planeta era extremamente quente, atingido diretamente pelas radiações solares, sem que na atmosfera existisse oxigênio ou ozônio que proporcionassem uma camada protetiva para os danosos raios UVA (ultravioleta A). Estas primeiras formas de microrganismos viviam em águas rasas que serviam de filtro para pelo menos uma parte da radiação solar e proporcionavam nutrientes como ferro e fósforo em abundância.
Cerca de dois bilhões de anos mais tarde, certas bactérias chamadas Cianobactérias conseguiram utilizar a água para o processo de fotossíntese liberando oxigênio como subproduto, e com isso acarretando uma enorme transformação na Terra. Foram encontradas evidências da presença destas bactérias a partir de 2 bilhões e 700 milhões de anos atrás, mas o oxigênio por elas produzido não se acumulou imediatamente na atmosfera, sendo primeiramente consumido por reações químicas com outras substâncias ou metabolizado por micróbios que se alimentavam da cianobactéria e usavam o oxigênio livre ao redor destas para quebrar as cadeias moleculares deste carbono orgânico que se tornara disponível e abundante. Neste processo, os nutrientes eram reciclados e dióxido de carbono – CO2 – eliminado pela respiração destes consumidores secundários. Foi somente 300 milhões de anos mais tarde que o nível de oxigênio na atmosfera do planeta começou a subir, iniciando o evento chamado “A Grande Oxidação”: uma revolução irreversível na atmosfera e na superfície do planeta, causada pelo acúmulo de moléculas de oxigênio biologicamente produzido. Mesmo assim, foram necessários outros 2 bilhões de anos para que o nível de oxigênio chegasse à proporção que nos é familiar, de 21% do total de gases atmosféricos. Após milênios de evolução planetária, a biosfera estava finalmente se aproximando das características ecológicas e ambientais que conhecemos.
É justamente por causa da vida que ocupa o nosso planeta que a atmosfera é palco de uma contínua troca de gases, cuja proporção vem sendo regulada e mantida dentro de certos limites por mais de 500 milhões de anos. Atualmente, as plantas de ecossistemas terrestres e oceânicos da Terra extraem a cada segundo cerca de três mil toneladas de carbono da atmosfera, na forma de dióxido de carbono. A cianobactéria continua sendo predominante entre os produtores primários que formam o fitoplâncton nas águas superficiais oceânicas, enquanto as formas primordiais de microrganismos – bactérias e arqueas, para as quais o ambiente rico em oxigênio se tornou tóxico, se recolheram a partes do planeta protegidas deste gás não só sobrevivendo em frestas e cavernas, como formando parcerias hoje indispensáveis a tantos outros organismos: a colonização dos intestinos de animais e da raça humana é um exemplo do relacionamento simbiótico resultante desta adaptação.
A concentração de dióxido de carbono na atmosfera é bem mais baixa que a do oxigênio, mas mesmo assim influencia o clima pelo efeito estufa que causa. A interferência das atividades humanas no planeta não tinha sido suficiente para causar grandes alterações na composição atmosférica até que, há duzentos anos atrás, o desenvolvimento de tecnologias produtivas e de extração de combustíveis fósseis possibilitou uma industrialização em massa. Desde então, o uso dos recursos naturais aumentou a tal ponto que interferiu diretamente no ciclo do carbono.
O Ciclo do Carbono é o conjunto de transferências de carbono entre os principais reservatórios da biosfera, atmosfera, solos e oceanos do planeta. Sendo um ciclo, para iniciar a sua observação escolheremos como ponto de partida o momento em que o dióxido de carbono (CO2) é retirado do reservatório atmosférico e usado pelos produtores primários no processo de fotossíntese. A partir deste processo, o elemento carbono passa a formar parte dos corpos orgânicos sendo armazenado nas partes vivas das plantas, compondo a biomassa vegetal, podendo também prosseguir em uma jornada ao longo da cadeia alimentar. Este carbono pode ser reemitido para a atmosfera pela respiração ou decomposição, ou pode ser estocado como matéria orgânica – viva ou morta.
No Ciclo do Carbono de longo prazo, sedimentos orgânicos foram estocados em reservatórios de longo prazo por centenas de milhões de anos, como aconteceu por exemplo no fundo dos oceanos na forma de rochas sedimentares à base de carbonato de cálcio, ou sofreram um processo de fossilização. Os combustíveis fósseis são restos de organismos transformados ao longo do tempo em sólidos, no caso do carvão, líquidos, no caso do petróleo, e gases, como é o caso do metano e outros similares menos abundantes como propeno e etano, todos compostos basicamente por carbono e hidrogênio. Quando queimados, estes compostos reagem com o oxigênio do ar liberando energia, dióxido de carbono e vapor d’água.
A vida depende da transformação de energia e matéria, o que envolve incríveis adaptações e especializações que evoluíram ao longo do tempo. Elementos são reciclados, nutrientes assimilados a partir da transformação de compostos inorgânicos em matéria orgânica, fornecendo energia a nível celular: tais habilidades foram desenvolvidas e propagadas de geração a geração, resultando na complexa biodiversidade que contribui para o equilíbrio dos sistemas planetários em seus diversos níveis, desde o sistema bioquímico microbiano até a manutenção das nascentes de água. Somos a única espécie a gerar resíduos a um nível tal que o meio ambiente já não é capaz de assimilar e reutilizar harmoniosamente em seus sistemas. Já é hora de revertermos as tantas e profundas perturbações que continuamos a causar no complexo sistema de trocas do planeta, começando com a mais urgente destas interferências: o superaquecimento global causado pelas atividades antropogênicas. Nossa esperança é que, sabendo que a solução para esta crise planetária passa necessariamente pela restauração dos ecossistemas, possamos reavaliar o papel que estamos desempenhando na intrincada rede de cooperação planetária, e aproveitar esta oportunidade para encontrar a melhor forma de participar dela.
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> CARBONO VERDE: é o carbono removido da atmosfera por fotossíntese e estocado nas plantas e no solo de ecossistemas naturais.
> CARBONO AZUL: é o carbono capturado por fotossíntese nos sistemas oceânicos, representando mais de 50% do carbono verde (esta proporção em 2009 era de 55%). O Carbono Azul é estocado na biomassa e solos de ecossistemas costeiros – manguezais, marismas e prados de algas – e também é capturado pelas colônias de fitoplâncton.
> CARBONO MARROM: é o carbono emitido na atmosfera pela atividade humana. A queima de combustíveis fósseis, queima de madeira e produção de cimento juntos injetam de 7 a 10 Gt C (giga toneladas de carbono) por ano na atmosfera na forma de CO2.
> CARBONO PRETO: partículas residuais da combustão. Interferem na transmissão de radiação solar para a troposfera, seja diretamente que indiretamente pelas nuvens. Reduz o albedo da neve e do gelo (a proporção entre a parcela da energia solar refletida por uma superfície e aquela absorvida pela mesma). Depois do Carbono Marrom, o Carbono Preto é o que mais contribui para o aquecimento global. Sendo formado por partículas sólidas, tende a permanecer na atmosfera por dias, ao contrário do CO2 que, sendo gasoso, tende a permanecer na atmosfera em media por 100 anos.
> MUDANÇA CLIMÁTICA ANTROPOGÊNICA: a mudança climática causada pelo aumento na atmosfera da quantidade de gases estufa e partículas emitidas por atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, desmatamento e queima da vegetação nativa, ou emissões produzidas nos processos agrícolas, inclusive na criação de gado. A degradação de ecossistemas naturais e consequente diminuição da habilidade destes em captar carbono da atmosfera através da fotossíntese (carbono verde) e estoca-lo por longos períodos, também contribui para a mudança climática. Existem limites críticos para esta mudança climática causada pela atividade humana, além dos quais alterações drásticas e irreversíveis podem ocorrer.
> SEQUESTRO DE CARBONO: a retirada CO2 da atmosfera para reservatórios de longo prazo onde o carbono permanece por décadas, séculos ou até milênios.
> SUMIDOURO DE CARBONO (CARBON SINK): qualquer processo que remova da atmosfera um gás estufa, um aerossol ou um precursor de um destes. Sumidouros naturais para o CO2 são, por exemplo, florestas, solos e oceanos, contanto que estejam saudáveis e possam comportar o funcionamento continuado das atividades biológicas responsáveis por este processo. A biomassa nas florestas por exemplo, pode acumular carbono por décadas ou séculos. O carbono capturado por organismos vivos nos oceanos e que é estocado em forma de sedimentos, pode permanecer fora da atmosfera por milênios se o curso natural dos processos geológicos for mantido. Este é o caso de sedimentos acumulados nos solos de ecossistemas costeiros, bem como aqueles derivados da precipitação de restos orgânicos através da coluna d’água até o fundo dos oceanos.
> MATÉRIA ORGÂNICA DO SOLO: termo usado para descrever os componentes orgânicos do solo: peles, pelos, cascas e demais tecidos de animais e plantas mortos, os subprodutos da decomposição dos mesmos e as colônias de micróbios do solo.
> CARBONO ORGÂNICO DO SOLO: a parcela de carbono que compõe a matéria orgânica do solo
> INVENTÁRIO DE CARBONO: a contabilidade do ganhos e perdas da quantidade de carbono emitido e removido da atmosfera/oceanos em um determinado período de tempo. A quantificação deste fluxo serve para tomadas de decisão ao estabelecer politicas, verificar tendências e desenvolver estratégias de mitigação de efeitos da mudança climática.
> ESTOQUE DE CARBONO: a quantidade de carbono estocado em um ecossistema, usualmente indicada em megagramas de carbono orgânico por hectare (MgCorg/h) em uma dada profundidade de solo. É determinado pela soma dos reservatórios de carbono relevantes.
> RESERVATÓRIO DE CARBONO (CARBON POOL): um reservatório que absorve e emite carbono. Para fins ilustrativos, tomaremos como exemplo o ecossistema dos Manguezais onde os principais reservatórios de carbono são:
> OS OCEANOS COMO UM SUMIDOURO DE CARBONO: Os oceanos representam o maior sumidouro de carbono a longo prazo deste planeta. Apesar da biomassa composta pelas plantas no sistema oceânico representar menos de 1% daquela na terra, a quantidade de carbono absorvida via fotossíntese nos ecossistemas oceânicos e costeiros é praticamente a mesma que em terra firme. Oceanos são sumidouros de carbono extremamente eficientes não só pela elevada taxa de absorção fotossintética, mas também por reter o carbono contido no CO2 dissolvido na água e também o carbono nos detritos orgânicos que afundam e se acumulando no assoalho oceânico. Estes processos de absorção são chamados ‘bombas’ do ciclo do carbono nos oceanos, descritas a seguir: